O Brasil é o maior importador do trigo argentino, com cerca de 5 milhões de toneladas ao ano - quase um terço da produção total argentina. Essa dependência se deve a vários fatores, como as condições climáticas e de solo desfavoráveis no Brasil à produção de trigo de boa qualidade e em quantidade suficiente para atender toda a demanda nacional, além dos incentivos insuficientes à produção desse cereal no país e as tarifas aduaneiras reduzidas para o trigo argentino.
O consumo e a produção de trigo seguem crescentes nos últimos anos, impulsionados pelo crescimento da economia mundial, sendo o 2º grão mais consumido no mundo e que representa 30% da produção mundial de grãos. O consumo do produto aumentou 8% nos últimos 5 anos, enquanto a produção cresceu 4,6% no mesmo período.
A Argentina figura entre os 10 maiores produtores e exportadores mundiais dessa commodity. O Brasil aparece na 14ª posição do ranking de produção e está entre os 10 maiores importadores de trigo no mundo. Em 2022, o Brasil colheu a maior safra de trigo da sua história, chegando a 10,5 milhões de toneladas. No entanto, é possível que a produção nacional de trigo na safra de 2023/24 tenha uma redução em comparação à safra anterior, de acordo com dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Apesar do aumento previsto na área semeada de trigo, a estimativa de produtividade mais recente, divulgada em maio de 2023, indicou uma queda de 15,6% na comparação com o mesmo período de 2022. A produção dessa nova safra está projetada em 9,7 milhões de toneladas, 7,4% menor do que a produção da safra anterior, o que poderá ampliar a necessidade de importação da commodity para suprir a demanda interna do Brasil.
A Argentina, por sua vez, foi severamente impactada pela pior seca dos últimos 60 anos em 2022. Diversas culturas apresentaram queda de rendimento, o que atingiu a economia do país, suas exportações e sua capacidade de acumular divisas internacionais. A safra 2022/23 recuou cerca de 40% em relação ao período anterior, caindo de 22,1 milhões de toneladas para 13,4 milhões de toneladas.
A semeadura, de acordo com o Ministério da Economia da Argentina, já atingiu 39,5% da área estimada no ano corrente. Esse é um indicativo de que os produtores locais devem aproveitar a perspectiva de condições climáticas favoráveis para aumentar a produtividade, gerando benefícios econômicos e fortalecendo o abastecimento global de trigo.
No entanto, é importante considerar que o abastecimento de fertilizantes – um dos principais insumos utilizados na triticultura – pode estar comprometido, devido à falta de liberação das Licenças Não-Automáticas de Importação (LNAs) pela Argentina. Os recorrentes atrasos de liberação das LNAs dificultam a importação de fertilizantes e seus insumos, o que pode limitar a produção de trigo e de outras culturas na Argentina, reduzindo a oferta e elevando o preço desses produtos.
Como afirmado anteriormente, o Brasil é um dos maiores importadores de trigo argentino do mundo e, em 2022, 71% do trigo importado pelo Brasil veio da Argentina. A importação é estratégica para o Brasil, devido aos custos logísticos mais baixos derivados da proximidade geográfica entre os países. Dessa forma, o Brasil fica vulnerável a possíveis interrupções na oferta do produto argentino, estando sujeito a eventuais quedas de suprimento e aumentos de preços.
Considerando os possíveis impactos econômicos para a agroindústria brasileira e para a produção de trigo na Argentina, além do potencial risco para o abastecimento e para o preço do trigo no Brasil, é necessário que o governo da Argentina efetue a emissão de LNAs de forma mais célere e dentro do período de até 60 dias, conforme previsto pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Nesse sentido, é relevante a realização de gestões junto aos Ministérios da Economia e da Agricultura da Argentina para a normalização das emissões das LNAs e para a regularização do comércio entre os dois países. A retomada do fluxo comercial entre Brasil e Argentina é importante para o setor produtivo brasileiro e para a ampliação dos benefícios econômicos e sociais advindos da forte integração entre os produtores, consumidores e governos envolvidos. Autor: Leandro Barcelos - Secretário Executivo do Instituto Brasileiro de Comércio Internacional e Investimentos (IBCI) e Gerente de Comércio Internacional da BMJ Consultores Associados
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